Mea culpa: como nossos pais

Meu pai é chinês e jovem veio para o Brasil deportado da China. Fui criado entre dois mundos. Um da família chinesa que só falavam em inglês entre eles e outro bem brasileiro, já que minha mãe foi vedete, Tania Montalban. Mundos tão distintos entre si. Fui uma criança meio estranha, um jovem esquisito, um adulto meio excêntrico e agora caminho para meia idade, 44 anos, cheio de desejos e vontades.

Quando revejo as coisas que fiz, vejo que fiz tudo com tanta intensidade e paixão que muitas vezes perco a capacidade do julgamento crítico, o distanciamento que nos torna adultos. Por outro lado, o se tornar adulto é como a fábula de Peter Pan e perdemos nossa capacidade de voar.

A imagem que tenho do meu pai é que ele é um workholic convito e que ele nunca tirou vantagem das posições que ocupou. A trabalho, ele viajou o mundo e recentemente esteve na África do Sul. Observou os conflitos, me contou do estado político dos países circundantes. Ele é muito sério.

A imagem que tenho da minha mãe, que com 5 anos dizia que era a mãe mais linda do mundo. Cansei de ouvir dela que quando jovem tinha as medidas da Marta Rocha. Ela era uma mulher espontânea. Quando eu estava no colégio tinha uma certa vergonha desta espontaineidade. Um dia, fui fazer o discurso da minha turma e quando acabei, ela se levantou, correu pra mim, me beijou toda orgulhosa. Eu queria morrer de vergonha.

Hoje, vejo que herdei estas qualidades dos meus pais. A seriedade com meu trabalho e a paixão avassaladora pelas coisas que faço. Muita gente vê isso como arrogância, auto-confiança exagerada, entre outras coisas. Pelo trabalho faço coisas que não faria como pessoa física.

Eu já fiz muitas coisas, já comecei do zero várias vezes, já rompi de forma dramática muitos lugares que trabalhei. Eu tinha (ou tenho?) na verdade uma baixa auto estima que ninguém pode imaginar. A cada sucesso, achava que um dia descobririam que eu sou um truque. Que não sou tão inteligente o quanto demonstro e que na verdade só sei juntar coisas, palavras, imagens.

O que me salvou sempre foram as coisas herdadas dos meus pais: a seriedade e a paixão. Se começo a fazer algo que eu não sei, pesquiso muito, leio muito, procuro conhecer a história ou o trabalho de outros que fizeram o mesmo que eu estou fazendo. Por isso, digo que minha habilidade é juntar coisas. Além de ser muito honesto comigo e com os outros. Honesto até demais para as normas sociais vigentes. Você podem ler o que escrevo, é tudo de verdade. Para o bem e para o mal.

A paixão, como todo sentimento exacerbado, traz este outro lado, minha capacidade de dar bafos. Aqui vocês já leram que dei bafo no backstage da Maria Bonita Extra, mais recentemente com a marca Glória Coelho e com a revista Junior.

Se eu fizesse as coisas mais friamente, se eu entendesse que estas coisas não são tão grandes e tão importantes assim, com certeza eu não daria bafo. Eu sei teoricamente tudo isso. Mas tenho esta coisa comigo mesmo, uma batalha para fazer o melhor sempre, para que eu não descubra por mim mesmo que eu não sou um truque.

Depois dos bafos, tem um lado que me acalma, porque não gosto de guardar nada comigo, dentro de mim, que fica me martelando. Por outro, tem o desgaste de energia tão grande. São rompimentos, são palavras mal interpretadas.

Eu jogo o I Ching há anos. Ele sempre fala do caminho do meio, de ser com a água que não se detém pelas pedras. Mas como sempre, eu estou longe do meio. Mas sempre penso desde pequeno que nunca brigo com as pessoas e sim com as idéias. Em todos os bafos, eu penso sinceramente que estou defendendo meu trabalho.

Um dia quando eu crescer, quem sabe eu consiga?

Antony And The Johnsons – Hope Theres Someone