Relações entre Moda, Arquitetura e Estrutura

Olá estruturalistas & minimalistas!

Verdade seja dita. Estava meio sem assunto hoje, porque desde ontem a faxineira baixou em mim com força e estou fazendo uma limpa de papéis e memórias que não servem mais. É difícil se livrar de tanta papelada, mas chega uma hora que não dá mais para segurar.

Mas como este blog é vício e o leitor reclama quando a gente deixa de postar, fiquei rodando pela internet em busca de alguma coisa para falar. Semana de moda em NY? A Maria Prata está fazendo um relato incrível, porque nos inclui e não nos afasta da sua temporada por lá, então prefiro acompanhar por ela e dando uma olhada no Style.com, na Suzy Menkes, Cathy Horin, no Luigi Torres e na moda masculina escrita pelo Sylvain Justum. Meus preferidos? Y-3 e Calvin Klein.

Aí me deparo novamente com um assunto que vai e volta, a Arquitetura na Moda. O Vitor Angelo já havia escrito sobre isto ano passado, em Essa tal de arquitetura na moda , falando do Balenciaga e alertando que colocar uma estampa ou ornamento, não siginificava nada nesta relação. Muito certo, ele!

As coleções do Alexandre Herchcovitch e de Calvin Klein fazem retornar este assunto. Em ambos, o que está em jogo é a construção da roupa, assim como foi para Balenciaga.

Me lembrei que havia escrito um texto para a revista AU com a Marta Bogea, que fez a expografia da última Bienal e do Panorama do MAM e o Yopanan Rebello, meu querido professor de estruturas na época de faculdade.

Começava com a seguinte afirmação: “A roupa pode ser vista, em primeira instância, como o abrigo imediato, mais próximo da pele humana do que qualquer outro elemento que arquitetura possa conceber. Uma espécie de arquitetura primeira, abrigo que se descola da pele do homem e se projeta ampliando sua ocupação“.

Por estar lidando com arquitetos que não tinham uma ligação com a moda, as discussões para se chegar ao texto final foram muito boas. Como a matéria era sobre as relações entre Moda, Arquitetura e Estrutura, fomos selecionando projetos e roupas que pudessem estabalecer uma comparação.

Dois estilistas foram exemplares para nós: as roupas de papel de Jum Nakao e Issey Miyake.

A saia de Jum Nakao, um conjunto de tiras de papel vegetal e anel plástico compõem um sistema entre cabos e barras rígidas. Essa saia faz parte da coleção de verão de 2004, ano em que Nakao inspirado nos vestidos do século XIX revoluciona a moda, em um desfile com roupas de papel. Uma metáfora de origem. Delicadas armações, com requinte de bordados e rendas re-desenham as estruturas dos vestidos.
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A solução estrutural da saia nos remete a um dos impressionantes conjuntos olímpicos de meados do século passado: as coberturas do ginásio e da piscina de Tóquio projetados por Kenzo Tange, em 1968. Um esqueleto que ganha forma a partir da associação de cabos e barras, nesse caso, cabos e barras curvas na forma de arcos.

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A escala e os materiais são outros, a estratégia é a mesma. Aqui a plasticidade de uma curva suave e de um anel de borda, em Nakao, ou segmento de borda em Tange, fazem da saia e da cobertura do ginásio um mesmo conceito estrutural.

Nem sempre a construção da forma ocorre a partir de elementos rígidos, há momentos em que cabos isolados dão forma a malha de cabos. Essa estratégia estrutural é que configura a forma pretendida. Nas roupas são as pences, costuras, pregas e viéses constituem o equivalente aos cabos estabilizante. A volumetria de arestas e mudanças de direção são viabilizadas por cabos ou costuras, elementos que dão a devida tração nos vértices construindo as dobras, como na roupa de Miyake. Cabos de crista e de vale se suscedem configurando a cobertura do estádio de Riyardh

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Dos cabos chegamos as cascas. Uma passagem que se dá através de um enrijecimento que garanta permanência que impede a mudança de forma com o carregamento. Associar um material adequado a uma geometria de dobras nos leva ao universo das cascas.

Cascas em concreto são velhos conhecidos na arquitetura. Nervi muitas vezes se vale dessa geometria. Um exemplo interessante que lembra a seqüência de dobras retilineas, como no Palácio dos Esportes em Roma. Esse mesmo conceito estrutural pode ser visto na gola e na pelerine em papel vegetal de Jum Nakao:

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Os plissados na roupa e nas estruturas são dobras que ajudam a obter rigidez necessária, quando se deseja manter elementos esbeltos. Quando a escala de construção faz com que as espessuras originais das cascas se tornem insuficientes para garantir a devida resistência, novas nervuras ou dobras podem ser incorporadas aquela lâmina, garantindo a espessura inicial.

O tecido plissado e tecnológico de Miyake, corresponde a um material que garante através da estrutura do próprio tecido a construção de uma geometria que permaneça estável como cascas e não mais membranas. As minúsculas nervuras transformam a membrana original em um novo sistema estrutural no qual a rigidez prevalece. É como o enrijecimento pelo uso de nervuras em substituição às lâminas maciças da catedral St. Mary´s, na Califórnia, Estados Unidos (1966-71), de Nervi. E que transformam a lâmina original em uma eficiente casca.

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Guardando as evidentes especificidades e distinções entre arquitetura e moda, da escala ao procedimento, o que nós buscamos é entender como um trabalho de construção e os desafios frente a um determinado material pode resultar em um desenho desejável e possível, desde que se entenda o que está na base de cada um dos procedimentos.