“Uma roupa pode causar muito barulho”, Judy Blame
No último dia do Pense Moda, não teve palestra, teve show. Um show de verdade ou de verdades, estrelado por Judy Blame. O Eduardo Jordão sempre me falou dele, da forma como ele é criativo, mas confesso que sempre tive um pé atrás, achando que era mais um moderno de plantão.
O que eu não sabia que ele é sim um moderno de verdade. Com o que se entende de moderno na filosofia e não “muderno” como falamos por aí. Vocês podem achar que estou exagerando, mas vamos lá.
Um dos textos mais importantes da filosofia moderna é A Crítica da Razão Pura de Kant, que estudei para entender o conceito de modernidade no meu mestrado de arquitetura. Para Kant, o conhecimento não é mero reflexo dos objetos, ele parte do sujeito, da mente humana que produz a imagem das coisas e as organiza para explicar o universo.
Por incrível que pareça a filosofia procura responder questões muito simples e as do filósofo da Prússia buscava as respostas para 3 coisas simples: O que eu posso saber? O que eu devo fazer? E o que eu posso esperar?
Judy Blame é um designer de acessórios, stylist, diretor de arte e uma pessoa que acredita no que faz profundamente. Tudo é de verdade. Quando a Camila Yahn perguntou sobre sua experiência na Louis Vuitton, ele respondeu:
“Adorei me afogar no luxo. Eu pedia um botão dourado, e eles tinham um milhão de botões dourados. Eu pedia uma corrente dourada, e tinha milhões de correntes douradas“.
Mas até aí você poderia pensar é só uma bicha deslumbrada. Na na ni na não. Vejamos a história a luz da Filosofia, claro. Porque se o Gayegos acha que no curriculum de moda, a filosofia atrapalha na formação de um estilista, então o mundo fashion está perdido.
O QUE EU POSSO SABER?
“Eu fugi de casa. Sou da revolução punk. Descobri logo cedo que uma boa roupa pode fazer muito barulho”, declarou Blame no começo de sua fala.
Sabe aquela história de estar no lugar certo, na hora certa? Esse é o resumo do case Blame. Ele estava em Londres nos anos 80 e nesta época muita gente estava indo para lá, porque a música, as artes plásticas, a moda, todo o universo pop acontecia por lá e se espalhava pelo mundo.
“Eu fui uma pessoa de sorte de encontrar pessoas com atitudes semelhantes. Mas quando você está aberto para elas, se deixar aberto para a criatividade, elas todas chegam até você. Toda esta gente que fez a ID não tinham dinheiro na época, mas conhecíamos pessoas importantes, então tudo se tornou possível. Eu acredito e sempre trabalhei em grupo. Não dá para fazer nada de bom, sozinho“.
Capa da iD de maio de 1990, com a modelo Marni fotografada por Jean Batiste Mondino e styling de Judy Blame (pesquisa e imagem de Biti Averbach )
Ele explica isso, enquanto passam no telão milhares de imagens de seus trabalhos. Ele explica como a música, a moda, as artes plásticas andavam de mãos dadas nas décadas de 80 e 90. “Eu sempre fui inspirado pela arte de qualquer tempo. Eu andava pela WhiteChapel … Em Londres não somos fechados, não temos medo de nos misturar”
Com isso, de forma aberta e coletiva ele descobriu sua vocação, talento, entendeu como ele podia saber e fazer coisas. Não foram poucas: ele além das contribuições para diversas revistas, como a ID, The Face, ele cuidou do visual de Boy George, Neneh Cherry e Björk.
Björk by Blame. Quando todo mundo pensava que ela iria aparecer mais louca do que nunca, num passe de mágica, Judy a transforma nesta imagem quase quase comum
O QUE EU DEVO FAZER
“Age de maneira tal que a máxima de tua ação sempre possa valer como princípio de uma lei universal.” , esta frase de Kant em Crítica da Razão Pura, é o que chama-se em Filosofia de “Imperativo Categórico”, ou as normas de comportamento de acordo com Kant.
Já sabemos que Judy adora o trabalho colaborativo. Sua experiência com a Vuitton, foi descrita desta forma:
“Quando me ligaram para trabalhar a Vuitton, achei que fosse um trote de um amigo. Marc Jacobs conhecia meu trabalho e me convidou para desenvolver uns três produtos. Mas eu tinha tanta energia, que desenvolvi uma linha completa. Eu trabahava criando o dia todo, Marc vinha de noite e editava o trabalho. Desista disso, se concentre nisso, ele dizia. Foi uma experiência fantástica“.
A bolsa que ele criou para a marca de luxo, conservava o seu espírito punk, que ele mesmo disse que foi se transformando em new-romantic. Toda de jeans, foi elogiadíssima peça, em que todos reconheciam o Judy Touch. As maiores consumidoras da marca no mundo, as japonesas, amaram e formou-se aquelas filas quilométricas, que só as hits bags conseguem. (Chamo de hit bags as bolsas que são sucesso, mas que não se transformam em clássicos, como as it bags, ok?)
O QUE EU DEVO ESPERAR?
A última máxima de Kant, por coincidência, na vida de Blame tem a ver com o Brasil.
“Eu conheci o Brasil num momento em que eu precisava de energia. Através do Eduardo Jordão trabalhei para Carlos Miele. Ele foi um meio para amar o Brasil. Sua cor, sua música, sua comida. Eu trabalho com o Alexandre Herchcovitch, já trabalhei com os irmãos Campana, Costanza Pascolato. Eles me mimaram muito. Me estragaram“.
Quando perguntado sobre como o Brasil poderia se transformar num país definitivamente de moda, ele teve aquele momento de lucidez que só os geniais têm e respondeu de maneira clara, a pergunta que não quer calar no Pense Moda:
“O Brasil deveria se respeitar mais. Eu respeito mais o Brasil, que muitos brasileiros (ele aponta para imagem de Nossa Senhora da Aparecida que ele trouxe com ele). Se todo mundo cooperasse mais. O que mais me impressiona é que o Brasil é multiracial, tem preto, pardo, amarelo e vendo os editoriais parece que não tem cor, que todos são loiros.”
No final resolvi perguntar para ele como ele consegue se re-inventar sempre. A resposta acabou me emocionando muito. A Fernanda do Oficina de Estilo gravou a resposta. Dá uma olhada!!!
8 Comentários
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sem fôlego
está brilhante
Que ótimo! Não sou da moda, não conheço o Blame, mas depois do seu texto, fiquei curiosa. Muito boas reflexões!
Legal o texto, abs!
[…] and ever, mega clássicas. A gente até aposta numas possíveis novas it bags, que agora são só “hit bags”: a fivelona do Fendi pode super ficar pra sempre como uma imagem forte, o matelassado novo e grande […]
[…] a inclusão de modelos negras e que foi (re-)acendida por Viviane Westwood, e mais recentemente por Judy Blame, no Pense […]
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[…] que o Judy Blame falou no Pense Moda sobre valorizar a cultura que o Brasil tem? É […]
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