PENSE MODA :: Hora de (re)pensar os achismos

Hoje uma mesa que prometia pegar fogo no Pense Moda, na verdade foi uma grande decepção. Os editores Alcino Leite Neto (Folha de S.Paulo), Erika Palomino (Key), Daniela Falcão (Vogue), Paulo Martinez (Mag!) e Susana Barbosa (Elle); os fotógrafos André Passos, Bob Wolfenson, Daniel Klajmic e as stylists Chiara Gadaleta e Letícia Toniazzo foram os convidados para debater. Joyce Pascowitch mediou a conversa.

Em vez de colocar o que foi dito (para isso você pode ler no Pense Moda), preferi fazer com que a finalidade do evento fosse cumprida: ser um start para uma discussão que não ficasse restrita somente a quem estava ali. Fomos convidados para repercutir o que está sendo debatido. Tanto que os blogues são credenciados como imprensa.

Vamos por partes. No ano passado, uma grande reclamação de fotógrafos e stylists recaiu sobre as editoras de moda. Na matéria sobre a mesa dos fotógrafos está lá:

“A coisa começou a complicar quando Daniel Klajmic disse que o problema também está no receptor do trabalho, no caso, as editoras de moda: ” A imagem de moda no Brasil é construída por referências internacionais óbvias. Quantas editoras estão preparadas para receber algo novo?

André Passos colocou mais lenha na fogueira: “Quando damos sugestões de algo mais autoral, geralmente elas dizem Mas vamos fazer isso aqui? Minha leitora não vai entender isso…

O assunto foi retomado pelos stylists:

“Numa reunião de pauta, muitas vezes a referência do editorial já está lá com a página marcada e tudo. Eu queria assim”. Thiago Ferraz

“Só que a gente não tem o Steve Meisel, não temos o casaco de pele Gucci, então fica tudo meio tosco”, Paulo Martinez

O assunto foi tão quente que a mesa de hoje foi criada exatamente por causa disso. Só não sei o que aconteceu, se foi a fala da Daniela Falcão que se livrou do seu teto de vidro (ou cristal?) e desviou o assunto da referência e levantou a bola em outra direção. (Não resisti e coloco o maravilhoso vídeo-síntese da Oficina de Estilo no seu post: complete a frase com a gente para que você entenda o que é levar a discussão para outro lugar)

Parecia que em um ano, as referências que viram cópias era coisa do passado. Que hoje as redações estão muito mais maduras ou “por falta de termpo” nem dá tempo de ver referências, como disse a Suzana Barbosa. Então, alguém pode me explicar estas imagens, que o Vitor Angelo (Dus*****Infernus) coloca na sua matéria Strike The pose, Vogue:

vogue1

Vogue América, abril 2008

vogue2

Vogue Brasil, junho 2008

E antes que as pessoas achem que isso é uma postura pessoal, eu mesmo faço meu mea culpa, sem problemas. Na PLAYBOY para conversar com os fotógrafos e stylists sempre usamos referências para dar uma idéia de luz, de clima no editorial. No editorial Miragem, pegamos a propaganda da Louis Vuitton como base.

louisvuittonadd

O resultado foi esse:

ensaio1

A KEY nas suas primeiras páginas coloca um mosaico de imagens e coisas que serviram de referência para edição. É normal e como diz uma pessoa bem famosa no meio da moda: “pode copiar não vai ficar igual mesmo”.

Dois textos sobre a cópia que eu adoro são: Pócopiá! da Erika Palomino na Key e Veneza e as cópias do Vitor Angelo. Erika coloca: Em tempos de softwares abertos a cópia está liberada: “a autoria é cada vez menos relevante, tanto nas artes, quanto na vida. Perder tempo assumindo o caráter precursor da calça skinny, da estampa floral mixada, do primeiro xadrez ou do salto anabela é pura…falta do que fazer”.

Por sua vez, Vitor pondera: “Vendo as réplicas de Veneza, penso que sim, existe inferioridade, mas também existe a sinceridade de quem copia, algo como a sussurrar pra nós: “Eu gostaria de ser assim e pelo menos eu tentei mesmo tendo fracassado”. Até porque Veneza não é apensa essa cenografia que imprime tão forte nos cartões-postais, existe a cidade dentro dela. De muitas formas, existe muitas verdades originais em uma cópia!”

O problema é não assumir, é dizer que uma coisa é original e não é. O Paulo Martinez, que cada vez que ouço e vejo fico mais encantado, resumiu numa única frase hoje: “A gente tem que ter orgulho do que fez até agora, copiando ou não copiando. Aliás, melhor copiar do que fazer mal feito”.

NO BAIRRO DO ACHISMO

Daniel Klajmic, André Passos, Leticia Toniazzo, Chiara Gadaleta e Marcelo Gomes bem que tentaram trazer a discussão sobre quem decide o que entra e o que não entra, o que serve e o que não serve como imagem para uma determinada publicação. Uma pena porque esta discussão não emplacou.

Com meus botões, comecei a pensar que falta mesmo são dados qualitativos e quantitativos para termos de fato um melhor direcionamento nos poucos títulos de moda no país. Tanto Paulo Martinez quanto Erika tocaram neste assunto. Faltam títulos no Brasil que permitam maiores experimentações e erros. As revistas que existem estão cristalizadas porque a margem de erro tem que ser mínima. Aí o círculo vicioso continua: vou chamar fulano porque já estou acostumado, não vou ter nenhuma surpresa e por aí vai.

Voltando ao direcionamento técnico. Não existem pesquisas de comportamento que avaliem as necessidades, diferenças, desejos dos diferentes consumidores de roupa no Brasil. É o que acabei chamando de bairrismos egocêntricos. Cada revista se pauta pelo seu bairro, por um imaginário de mulheres (e homens) que estão na cabeça dos diretores e editores. Mulher-chic-viajada-e-informada da Vogue; mulher-que-trabalha-num-cargo-com-certa-imortância da Elle; homem-de-35-anos-já-bem-colocado-na-profissão da Playboy e por aí vai.

Mas não existe uma comprovação real disto tudo. Na Playboy por exemplo, uma pesquisa apontou que a maior preocupação do homem na moda é saber como ele se veste de modo casual para trabalhar, porque muitos lugares não exigem mais o terno e gravata. isso é um indicativo importante e real.

Por outro lado, tem a relação delicada/complicada com os anunciantes da revista. Ou seja, quando uma marca anuncia num veículo x ou y, ele está pensando no tipo de leitor/consumidor desta revista, já que as pautas são direcionados para ele. Ou que se imagina que seja.

Exemplificando: num almoço o dono de marca X me perguntou porque as roupas dele não apareciam na revista e eu disse que o perfil dele era para um público jovem. Ele questionou, mas não é o adolescente que lê Playboy? Respondi que o adolescente lê, mas ele está interessado nas peladas, pois é a fase de descoberta sexual etc, mas não é ele o consumidor dos textos, do lifestyle que a revista se propõe.

Tenho sempre como parâmetro as outras revistas masculinas da Abril: perfil mais jovem da VIP, a outra dedicada ao homem mais ligado ao esporte e aos cuidados com o físico da Men´s Health e meu cuidado para não esbarrar nas pautas (de moda) deles. Afinal, a Abril não teria 3 títulos masculinos se os públicos não fossem diferenciados. É claro, que na vida real, nada é tão limitado assim. Um jovem pode precisar de uma roupa mais formal, assim como o adulto de um look mais descontraído.

É nesta hora dos limites e contradições próprias do dia-a-dia da redação que fico pensando: não daria para fazer uma pesquisa nacional sobre padrões de consumo? Afinal, o mercado está cada vez mais complicado, a beira de uma crise, o consumidor mais exigente, a informação que chega aqui , chega no interior e ainda estamos pensando numa suposta Zona Sul…

Bom, por hoje é isso. A discussão continua e que bom que tem o Pense Moda para levantar estas e outras questões, não é mesmo?

TANTO QUE FIZ UM OUTRO POST SEM O CALOR DO MOMENTO, (RE) PENSANDO O QUE ESCREVI AQUI

19 Comentários

  1. […] igualzinho a gente adoraria ser vogue américa mas né, gente, na vida real é diferente […]

  2. ainda bem mesmo que tem as conversinhas de fim de palestra! arrasou na participação de ontem!

  3. Sobre a pesquisa de padrões de consumo, quem eu vejo que faz isso uma vez por ano é o Observatório de Sinais, do Dario Caldas. E geralmente citam as tendências de comportamento de consumo por nichos, segmentos. O Vitrine geralmente publica matérias sobre as pesquisas que o projeto faz. http://www.observatoriodesinais.com.br/

  4. Concordo. Boa parte de tudo fica limitado, igual. Excelente texto.

  5. […] na íntegra, em arquivos grandes e completinhos. Vale assistir. Vale também ler os textos-bafo do Ricardo Oliveros no Fora de Moda e da Ivi no Vodca Barata. Pra pensar mais sobre a gente mesmo e sobre o nosso “em […]

  6. eu achei tudo aquilo um caos. verdadeiramente me cansou patinar no nada.
    vc colocou prumo na discussão qeu não houve.

  7. Adorei o post. Párar para verificar essas questões é muito interessante e faz a gente crescer. Agora, que não me venham dizer que não tem tempo de ler as Vogues importadas da vida e quando se vê acabam fazendo algo igualzinho ao da edição gringa. Socorro.

  8. Direto a gente vê as referências às revistas internacionais. As vezes bem explícitas outras nem tanto…

    queria poder ter ido ao Pense Moda, não deu…mas é muito bom poder contar com textos como o seu para me atualizar!

  9. […] Raízes do Brasil – Sérgio Buarque de Holanda. Junto com o clássico de Freyre e o de Antonio Candido, é um dos 3 chamados livros formadores da brasilidade, explica como Portugal criou e forjou uma sociedade diferente da dos espanhóis na América. Nele cria-se o termo homem cordial, fundamental pra entender várias nuances de nossa identidade como o imobilismo e a receptividade com o outro, o estrangeiro. Talvez o homem cordial imperou durante toda a discussão mais importante do Pense Moda, e aqui está um dos papéis do blog pra furar essa cordialidade de maneira cordial. […]

  10. Olá Ricardo,
    concordo com Vitor. Vc deu o direcionamento que faltou durante o debate.
    bjs
    Dani

  11. […] o post do Oliveros sobre uma mesa que rolou ontem, que era sobre a dificuldade dos stylists e fotógrafos de […]

  12. Ricardo, já lia sua “moda fora” de lugar e sempre achei seus textos bem fortes e polêmicos (ou, como disse vc hoje em sua mesa de blogs, mais ‘cabeçudos’, como eu bem gosto e tbm faço em meu blog). Acontece que depois de te conhecer e acompanhar algumas palestras do Pense Moda ao seu lado (sou a assistente das meninas do Oficina), te respeito ainda mais.
    E sobre tudo o que você escreveu (que, a meu ver, foi pontual e elgante sem ser ácido), concordo com com o Vitor e a Daniela: vc levantou a bola que faltou ser jogada no debate de ontem.
    E nada de blog is so last season hein! Quero bem continuar a ter seus textos para ler!
    Beijos.

  13. querido….obrigado pelo carinho . sempre. eu concordo com o que disseram…vc deu um sentido no seu post para o que nao teve sentido. o problema maior ,que eu vejo ,é a falta de respeito com que tudo é tratado em alguns veiculos. todos nos ali,ja passamos,estamos ou vamos passar por alguns veiculos em que a foto do fotografo nao tem o respeito devido,o trabalho do produtor,editor, stilyst, nao tem o respeito merecido,o trabalho do cabelereiro,do maquiador nao tem o respeito que deveria. entao,fica todo mundo atirando pedra,num telhado que é de vidro sim e que ainda nao se quebrou,pq na verdade,como disse antes,passamos,estamos ou vamos passar por esses veiculos. qdo a gente tiver coragem de nao aceitar o trabalho desses veiculos,talvez tudo melhore e os telhados nao sejam mais de vidro. pq tem telhado por ai,que ja ta quebrado.

  14. Oi, Ricardo,
    o problema maior dessa mesa, na minha opinião, foi não ter havido de fato uma mediação. Foram verdadeiros monólogos. Tava difícil conseguir uma brecha pra falar. Acho que quem perde é o público, que acaba ficando sem uma discussão mais ampla. Você, que agora está na Playboy, sabe que a gente não sai por aí fazendo o que bem entende quando está sob o chapéu da Abril. Para mim, a discussão vai muito além desse papinho de referência. Eu gostaria de ter colocado um pouco da realidade de quem está por traz de um produto grande numa empresa grande, mas diante daquela coisa toda ficou difícil. Acho uma pena, porque pelos comentários que vejo aqui e ali, rola muita ignorância ainda, muito desconhecimento mesmo de como é feito esse trabalho, de como a coisa funciona nas grandes corporações, ou nas, como usualmente preferem chamar, “revistas comerciais”. Bj.

  15. Ops! “Trás” e não “traz” , como escrevi acima.

  16. Oi Ricardo

    Adorei o post!! Chego de gaiata através de uma leitora do meu blog. Queria falar apenas uma coisinha: acho que o povo tem preguiça e medo de criar imagens brasileiras. As imitações são mesmo grotescas e se formos parar para pensar muita gente boa daqui acaba saindo para fazer coisas maravilhosas onde tem liberdade para criar. É apenas isso. Acho que falta a liberdade que là fora o povo tem. Aqui apenas se reconhece como bom aquilo que jà foi feito por alguém dos EUA ( principalmente em relação a editorais de moda) ou Europa. Quando resolvi passar um tempo da minha vida em Paris fiquei triste em perceber que tanta coisa daqui era literalmente chupado e que pouca gente se preocupa em estudar e pesquisar maneiras novas de se fazer algo seja em imagens ou texto…Beijos

  17. […] desenrola entre Vitor Angelo e Ricardo Oliveros nesse post aqui e nos comentários. Leiam também o post do Oliveros que está muito bem escrito. Não quero me estender muito por achar que cada um deve assitir ao […]

  18. Achei um site bem legal pra buscar informações sobre moda, aí vai o endereço: http://www.ziipi.com/result?pesquisa=moda

  19. […] Piza, jornalista da Elle), Hypercool (do Sylvain Justum, colaborador da Vogue, da Wish e de mais), Fora de Moda (do Ricardo Oliveros, editor de moda da Playboy), 1988 (do Romeuuu, editor da U_Mag) e Estilo Quem […]


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